quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Óculos Espirituais

É interessante como coisas simples nos ensinam lições grandiosas. Tem pessoas que parecem ter óculos espirituais e conseguem perceber, enxergar algumas de nossas necessidades especiais.

A algum tempo atrás nossa família estava passando uma certa dificuldade em alguns aspectos e uma dessas dificuldades era a falta de água em nossa casa. Estávamos num período de estiagem e a falta de água se tornou um sério problema na satisfação de nossas necessidades. Faltava água pro banho, lavar pratos, roupas e assim a gente ia penando. Para piorar a situação nossa casa ficava num lugar alto. As vezes tinha água no bairro mas não chegava em casa.

Nessa época aconteceu que depois de um tempo sem cair água, acumulou-se bastante roupa suja precisando ser lavada. Infelizmente não tínhamos condições de pagar alguém pra lavar e pensei o que poderíamos fazer pra resolver aquela situação.

Tínhamos uma vizinha que tinha um poço em casa e imaginei que ela não se oporia em nos ajudar, afinal falta de água é dureza. No entanto após meu pedido ela não pareceu muito animada. Apesar disso ela tinha um amigo que morava na parte baixa e poderia ceder água e local para eu lavar a roupa. Fiquei meio envergonhada, pois não estava preparada pra sair com uma trouxa de roupa pela rua, mas tudo bem vamos lá, afinal a necessidade falou mais alto.

Preparei uma sacola de viagem (achei melhor disfarçar) e saí para minha nobre tarefa. Chegando lá não havia ninguém em casa. Minha vizinha abriu o portão ( lembro que era algum parente, isso justifica terem a chave), A área ficava do lado da casa. Eu poderia lavar tudo. Depois que terminasse era só sair e trancar o portão. Perfeito...

Depois de algumas horas já tudo pronto só faltava secar. Bem... eu não queria deixar as roupas lá. Preferi então levar tudo pra casa. Só tinha um detalhe... esqueci que roupa molhada multiplica o peso. Então imagina algo que pesava 20 quilos, dobrou, triplicou, sei lá... minha sensação era de toneladas.

Ufa! Tudo bem, vamos lá. Arrumei tudo na sacola, levantei as alças e sai caminhando. Andei um pouco e parei. Percebi que daquele jeito eu não iria muito longe. É... o jeito seria levar nos ombros. Me aprumei e me preparei para levar ao ombros. Arrrg... Nossa, pesado demais. Parecia que minha coluna iria estourar, mas consegui.

Sai caminhando com dificuldade pela rua. Vi um homem na esquina sentado. Parecia descansando, pensei: nem pra esse homem me ajudar agora... Mas que nada. Me olhou curioso, viu minha dificuldade, mas não deu importância. Continuei caminhando.

Apenas um detalhe: o sol estava escaldante. Então imagina como eu estava. Descabelada, suada, ou seja, horrorosa. Mas como não iria mesmo pra nem um encontro... Tudo bem. E assim ia caminhando pela rua. De vez em quando descia a sacola pra descansar. Eu não sabia o que era pior: levantar aquele peso todo até os ombros ou sair caminhando com ele.

No meio do caminho encontrei duas mulheres conversando na porta. Essas prestaram bastante atenção. Ficaram me acompanhando com o olhar, mas também não fizeram nada, apenas alguns comentários em voz baixa entre si. E eu ansiando alguma ajuda. Passei por outras pessoas, mas só consegui suscitar curiosidade.

Bem... cheguei na rua da minha casa. Nossa que calor! Arriei a sacola, já não tinha mas esperança. Teria que enfrentar sozinha mesmo aquela ladeira e as toneladas de roupas sobre as costas.

Abaixei os olhos, enxuguei a testa e já estava me preparando para sair quando para minha surpresa ouvi alguém me chamar. Era o João*. João era um homem simples, que tinha problemas mentais, que não era muito de conversa e vivia fazendo uns bicos pela rua. Aquele João, que ninguém dava muita importância, veio correndo pra junto de mim – Ei... deixa que eu levo. Tá muito pesado. – E com aquele sorriso meio amarelado, não falou duas vezes. Pegou a sacola e só parou em frente a minha casa.

Eu senti uma coisa boa no coração e ao mesmo tempo vergonha. Não por receber a ajuda de um deficiente, mas por nunca ter tido essa mesma sensibilidade com aquele homem. Nunca lhe prestei muita atenção, nem nunca lhe falei palavra alguma, mas ele, com seus óculos espirituais conseguiu vê uma necessidade minha e mais que isso, veio me ajudar.

Aquele ato simples, de um homem simples, fez diferença em minha vida. Por incrível que pareça aquela ação me ajudou a ser melhor. Busco estar mais atenta, para quem sabe, eu poder fazer o mesmo que o João fez por mim, independente de quem seja, afinal, como diz o ditado: “Não existe ninguém tão rico que não precise de ajuda, ou tão pobre que não possa ajudar.”

*Nome foi mudado.