Existe no sul da Bahia, bem no
centro da Região Cacaueira, um lugarejo chamado União Queimada. Como tantos
outros povoados do interior, é um lugar comum.
Formada por uma rua principal, o
lugar é marcado pela simplicidade das casas e do seu povo, onde as margens do
Rio Almada, passa a maioria de seus dias como a corrente do rio, de forma calma
e tranquila.
Com varias elevações ao redor do povoado,
existe próximo dali uma serra. Por conta da cultura do cacau que precisa da
sombra das árvores para produzir seus frutos, ainda mantém preservada a Mata
Atlântica.
Este lugar, que me referirei
apenas como Serra (se tem um nome especial não sei), tem histórias bem
especiais guardadas em sua memória, do povo que um dia ali passou, viveu,
morreu ou ainda mora por lá.
Na Serra a natureza está bem
viva. Nela existem árvores centenárias das mais variadas espécies, pássaros e
animais que não se vêem muito mais em outros lugares da Bahia.
Para chegar até lá, passamos pela
rua principal de paralelepípedos da União Queimada, que no final do povoado
continua com uma estrada de chão. Depois de uma caminhada de uns 15 minutos,
chega-se a uma pequena fazenda de cacau aos pés da Serra. É preciso passar pela
fazenda para pegar uma trilha e chegar até o destino desejado.
O caminho para chegar ao topo é
difícil, cheio de obstáculos e é preciso fôlego para chegar até lá.
Mas quem iria querer subir uma Serra,
numa trilha precária, íngreme, em meio a mato, cobra, urtiga, desconforto e
cansaço?
Então...
Lá na Serra, em meio à mata, mora
um casal de idosos a mais ou menos 40 anos. A esposa herdou as terras há muitos
anos atrás de seus pais e, junto com o marido, decidiram morar por lá.
Para chegar à moradia deles, é
preciso enfrentar uma subida de 1 hora (para aqueles sem condicionamento
físico, quase 2 horas), numa trilha que em alguns pontos precisa-se usar de
intuição e equilíbrio para segui-la. Além de toda dificuldade da subida, existe
ainda toda falta de estrutura do lugar, que não tem muito conforto.
As acomodações são muito, muito
humildes. Existem apenas alguns bancos sem encosto para sentar. Para dormir
utiliza-se a barcaça de secagem de cacau ou uma casinha para depósito. Não há
luz elétrica e o banheiro é de total contato com a natureza. Seria uma subida e
estadia muito difíceis, não fosse a certeza de encontrar Titia Isaura com todo
o seu amor.
Hummmm ... como é gostoso o amor
da Titia Isaura. Havia muitos anos que eu não a via quando fui visita-la na
última vez. Eu e mais algumas pessoas da minha família enfrentamos a difícil
tarefa de subir a Serra.
Quando chegamos à União Queimada,
qual não foi nossa surpresa ao encontrarmos Titio Di. Foi aquela alegria ali
mesmo. Apesar dos seus 80 anos e lá vai fumaça e seus 1,60 m de altura, é um
homem forte, que teve a Serra como tônico natural, através do exercício forçado
das subidas e decidas da montanha.
E começamos nossa empreitada.
Titio, acostumado com a subida, mesmo com o peso do saco de mantimentos nas
costas, andava ligeiro. De tempos em tempos, dava uma parada lá na frente para
esperar a mocidade alcançá-lo. Pensa numa dureza. Pois é... a subida era assim mesmo.
Quando finalmente, quase uma hora
depois, estávamos próximos à choupana. Minha mãe fala:
- Vamos gritar Titia pra ver se
ela descobre quem está chegando?
Eu grito – TITIA!!! Mas não ouço nada. Grito mais uma vez –
TITIA!!!
E lá ao longe ouvimos: - uhhhhhhhhhh!
- TITIA!!!
- UHHHHHHHHHHH! – O som já mais
próximo.
Quando olho lá em cima, vejo a
Titia descendo ao nosso encontro, parecendo uma Pirata do Caribe. Lenço na
cabeça, calçada em suas botas sete léguas, calça preta e camisa vermelha
surrada, toda manchada de nódua de banana, com o facão na mão, da lida na roça.
- Quem ééé? – Pergunta Titia num
forte sotaque baiano, daqueles de gente simples que mora na roça.
- Somos nós Titia. Naiara, Graça,
Nil e Israel.
- Oxente Naiara!!! Vixe que faz
anos que num vejo essa menina! – E me dá um abraço apertado, um beijo molhado.
Agarrando todo mundo, apertando daqui e de acolá para aliviar a saudade. E
carrega todos nós para sua humilde casa.
As cachorras ficam todas ariscas,
latindo com a nossa chegada. Sussuarana, a mais valente está presa na corrente,
mas a Pimenta...
- PIMEEENTA!!! Queta que é
parente!
Chegando lá, nos aloja do jeito
que pode e vai tratando de preparar a comida. – Ôh Di, tu trouxe a cebola que
eu pedi???
- Tá no saco.
E lá vai ela ajeitando as
panelas, levando todo os apetrechos pra perto do fogão. – Se é que se pode
chamar aquilo de fogão (o fogão a lenha tinha desmontado e ela improvisou uns
tijolos no chão, com uma grade em cima, até fazer o novo fogão) – E com toda a
elasticidade e desenvoltura, na forma mais natural possível, se acocora para
seus preparativos.
- Deixa Titia, que eu faço... –
Fala minha mãe
Eu nem me atrevo a oferecer ajuda,
pois não consigo trabalhar naquele improviso.
- Oxente Graça! Pode deixar.
No final das contas, a comida
fica pronta e nos esbaldamos com o almoço da Titia. Delícia!
Ao longo do tempo que passamos
lá, a Titia nos oferece o seu amor na sua forma mais simples e genuína. É ao desencavar do baú, a
sua melhor roupa de cama (aquela das visitas) para nos aconchegar.
Ao oferecer o agasalho para
“quentar” o frio. Ao nos brindar com sua
prosa, contando os “causos de família”, misturados com suas gargalhadas e nos
levando ao riso também.
No dividir o “de comer” (tradução:
pode ser desjejum, almoço ou jantar), separando a maior e melhor porção para
nos oferecer.
– Titia não precisa – Digo eu.
– Oxente! Pega menina. – Por muito insistir
acabo aceitando.
Minha mãe ralha comigo. – Minha
filha... deixa pra Titia e Titio.
Mas Titia insiste – Deixa Graça,
deixa a menina comer. – E lá vai ela nos distribuindo seu carinho.
As vezes, quando a gente menos
espera, recebemos um beijo da Titia, como quem diz: – “Como
é grande o meu amor por você...”
Então pensando bem... todos nós,
de um jeito ou de outro, no fundo, no fundo, seguimos a biologia do amor descrita
por Humberto Maturana:
"Sem dúvida os seres humanos podemos cultivar a agressão, mas a
agressão ainda não é o centro do nosso viver; ainda buscamos viver no amor como
a emoção que gera bem-estar no viver em qualquer idade."
E mesmo com toda dificuldade de
subir uma montanha, com as limitações do lugar, na simplicidade de Titio e de
Titia, o amor está lá e a gente é feliz. Então tudo vale a pena com um
amor tão grande assim.
Beijo Titia, nós amamos você.