sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Uma História de Amor



Existe no sul da Bahia, bem no centro da Região Cacaueira, um lugarejo chamado União Queimada. Como tantos outros povoados do interior, é um lugar comum.
Formada por uma rua principal, o lugar é marcado pela simplicidade das casas e do seu povo, onde as margens do Rio Almada, passa a maioria de seus dias como a corrente do rio, de forma calma e tranquila.
 Com varias elevações ao redor do povoado, existe próximo dali uma serra. Por conta da cultura do cacau que precisa da sombra das árvores para produzir seus frutos, ainda mantém preservada a Mata Atlântica.
Este lugar, que me referirei apenas como Serra (se tem um nome especial não sei), tem histórias bem especiais guardadas em sua memória, do povo que um dia ali passou, viveu, morreu ou ainda mora por lá.
Na Serra a natureza está bem viva. Nela existem árvores centenárias das mais variadas espécies, pássaros e animais que não se vêem muito mais em outros lugares da Bahia.
Para chegar até lá, passamos pela rua principal de paralelepípedos da União Queimada, que no final do povoado continua com uma estrada de chão. Depois de uma caminhada de uns 15 minutos, chega-se a uma pequena fazenda de cacau aos pés da Serra. É preciso passar pela fazenda para pegar uma trilha e chegar até o destino desejado.
O caminho para chegar ao topo é difícil, cheio de obstáculos e é preciso fôlego para chegar até lá.
Mas quem iria querer subir uma Serra, numa trilha precária, íngreme, em meio a mato, cobra, urtiga, desconforto e cansaço?
Então...
Lá na Serra, em meio à mata, mora um casal de idosos a mais ou menos 40 anos. A esposa herdou as terras há muitos anos atrás de seus pais e, junto com o marido, decidiram morar por lá.
Para chegar à moradia deles, é preciso enfrentar uma subida de 1 hora (para aqueles sem condicionamento físico, quase 2 horas), numa trilha que em alguns pontos precisa-se usar de intuição e equilíbrio para segui-la. Além de toda dificuldade da subida, existe ainda toda falta de estrutura do lugar, que não tem muito conforto.
As acomodações são muito, muito humildes. Existem apenas alguns bancos sem encosto para sentar. Para dormir utiliza-se a barcaça de secagem de cacau ou uma casinha para depósito. Não há luz elétrica e o banheiro é de total contato com a natureza. Seria uma subida e estadia muito difíceis, não fosse a certeza de encontrar Titia Isaura com todo o seu amor.
Hummmm ... como é gostoso o amor da Titia Isaura. Havia muitos anos que eu não a via quando fui visita-la na última vez. Eu e mais algumas pessoas da minha família enfrentamos a difícil tarefa de subir a Serra.
Quando chegamos à União Queimada, qual não foi nossa surpresa ao encontrarmos Titio Di. Foi aquela alegria ali mesmo. Apesar dos seus 80 anos e lá vai fumaça e seus 1,60 m de altura, é um homem forte, que teve a Serra como tônico natural, através do exercício forçado das subidas e decidas da montanha.

E começamos nossa empreitada. Titio, acostumado com a subida, mesmo com o peso do saco de mantimentos nas costas, andava ligeiro. De tempos em tempos, dava uma parada lá na frente para esperar a mocidade alcançá-lo. Pensa numa dureza. Pois é...  a subida era assim mesmo.

Quando finalmente, quase uma hora depois, estávamos próximos à choupana. Minha mãe fala:
- Vamos gritar Titia pra ver se ela descobre quem está chegando?
Eu grito – TITIA!!!  Mas não ouço nada. Grito mais uma vez – TITIA!!!
E lá ao longe ouvimos: - uhhhhhhhhhh!
- TITIA!!!
- UHHHHHHHHHHH! – O som já mais próximo.
Quando olho lá em cima, vejo a Titia descendo ao nosso encontro, parecendo uma Pirata do Caribe. Lenço na cabeça, calçada em suas botas sete léguas, calça preta e camisa vermelha surrada, toda manchada de nódua de banana, com o facão na mão, da lida na roça.
- Quem ééé? – Pergunta Titia num forte sotaque baiano, daqueles de gente simples que mora na roça.
- Somos nós Titia. Naiara, Graça, Nil e Israel.
- Oxente Naiara!!! Vixe que faz anos que num vejo essa menina! – E me dá um abraço apertado, um beijo molhado. Agarrando todo mundo, apertando daqui e de acolá para aliviar a saudade. E carrega todos nós para sua humilde casa.
As cachorras ficam todas ariscas, latindo com a nossa chegada. Sussuarana, a mais valente está presa na corrente, mas a Pimenta...
- PIMEEENTA!!! Queta que é parente!
Chegando lá, nos aloja do jeito que pode e vai tratando de preparar a comida. – Ôh Di, tu trouxe a cebola que eu pedi???
- Tá no saco.
E lá vai ela ajeitando as panelas, levando todo os apetrechos pra perto do fogão. – Se é que se pode chamar aquilo de fogão (o fogão a lenha tinha desmontado e ela improvisou uns tijolos no chão, com uma grade em cima, até fazer o novo fogão) – E com toda a elasticidade e desenvoltura, na forma mais natural possível, se acocora para seus preparativos.
- Deixa Titia, que eu faço... – Fala minha mãe
Eu nem me atrevo a oferecer ajuda, pois não consigo trabalhar naquele improviso.
- Oxente Graça! Pode deixar.
No final das contas, a comida fica pronta e nos esbaldamos com o almoço da Titia. Delícia!
Ao longo do tempo que passamos lá, a Titia nos oferece o seu amor na sua forma mais  simples e genuína. É ao desencavar do baú, a sua melhor roupa de cama (aquela das visitas) para nos aconchegar.
Ao oferecer o agasalho para “quentar” o frio.  Ao nos brindar com sua prosa, contando os “causos de família”, misturados com suas gargalhadas e nos levando ao riso também.
No dividir o “de comer” (tradução: pode ser desjejum, almoço ou jantar), separando a maior e melhor porção para nos oferecer.
 – Titia não precisa – Digo eu.
 – Oxente! Pega menina. – Por muito insistir acabo aceitando.
Minha mãe ralha comigo. – Minha filha... deixa pra Titia e Titio.
Mas Titia insiste – Deixa Graça, deixa a menina comer. – E lá vai ela nos distribuindo seu carinho.
As vezes, quando a gente menos espera, recebemos um beijo da Titia, como quem diz:  –  “Como é grande o meu amor por você...”
Então pensando bem... todos nós, de um jeito ou de outro, no fundo, no fundo, seguimos a biologia do amor descrita por Humberto Maturana:
"Sem dúvida os seres humanos podemos cultivar a agressão, mas a agressão ainda não é o centro do nosso viver; ainda buscamos viver no amor como a emoção que gera bem-estar no viver em qualquer idade."
E mesmo com toda dificuldade de subir uma montanha, com as limitações do lugar, na simplicidade de Titio e de Titia, o amor está lá e a gente é feliz. Então tudo vale a pena com um amor tão grande assim.
Beijo Titia, nós amamos você.